1.4.08

Degradação ambiental criou os vampiros de Portel

IBAMA ASSEGURA QUE DESMATAMENTO ESTÁ POR TRÁS DOS ATAQUES DE MORCEGO NO MARAJÓ, QUE JÁ PROVOCARAM O MAIOR NÚMERO DE MORTOS JÁ REGISTRADOS POR CAUSA DA RAIVA EM TODO O PAÍS
A degradação ambiental das matas na região de Portel provocou a destruição das fontes de alimentos dos morcegos e é considerada a principal causa do surto de raiva humana que já provou a morte de pelo menos 15 pessoas naquele município do Marajó. Essa foi a conclusão anunciada ontem pelo gerente executivo do Ibama no Pará e Amapá, Marcílio Monteiro, que divulgou relatório preliminar do Ibama sobre as ocorrências trágicas de Portel. Segundo o documento, nos últimos anos houve um processo de mudanças radical no ecossistema daquela região, cujo resultado foi a degradação da região e de uma situação social que dificulta as ações preventivas contra a raiva.

Junto a pesquisadores do Instituto Evandro Chagas, para onde o relatório preliminar foi enviado, Marcílio Monteiro afirmou que tudo indica que a população de morcegos sentiu falta de alimentos silvestres, tanto da fauna quanto da flora, e que isso explica os ataques a humanos. A extração predatória da madeira na região é intensa e originou ermos denominados de capoeirão, que agravam a degradação. "É quase certo

que as transformações do ecossistema daquele região sejam as responsáveis por essas mortes. Precisamos pesquisar ainda mais, mas não se pode fugir desta realidade: sem animais silvestres para se alimentar, os morcegos saíram de encontro aos seres humanos. Isso é muito grave", afirma Marcílio Monteiro.
Dúvidas
Além do gerente executivo do Ibama, estiveram presentes à coletiva os pesquisadores do IEC, Elizabeth Santos, Pedro Vasconcelos e Elizabete Salbér, além da chefe da Divisão Ambiental do Ibama, Maria do Carmo, e do gerente do Ibama em Portel, Carlos Moura. Segundo Elizabete Salbér, dos dez corpos examinados até aqui pelo IEC, oito foram confirmados como portadores da raiva. Ela disse ainda que o IEC está fazendo tudo o que pode para esclarecer todas as dúvidas sobre a tragédia e que cerca de 18 morcegos conservados em formol estão sendo analisados pelos pesquisadores.
Dados repassados pelo Ibama ontem revelam que entre 1980 e 1993 foram registrados 619 mortes provocadas pela raiva humana e animal. Belém foi a cidade mais afetada nesse período com 18 mortes, seguida de Santarém, com 6; Cametá, 5; Baião e Marabá, 4; e Altamira, com 3 mortes. Carlos Moura, do Ibama de Portel, diz que a população continua angustiada e tensa com as mortes. "Existe certa calma por causa das ações do governo estadual e prefeitura de Portel. Mas a situação como um todo não está estabilizada. Parentes e amigos dos mortos continuam abalados e em permanente estado de tensão", disse.

Ele explicou que a população de Portel ainda vive um clima de insegurança e medo e também de "muita revolta". "Foi tudo muito rápido e jamais alguém esperaria que os morcegos fossem portadores da raiva. Ser mordido por morcego em Portel é quase uma coisa natural. Ninguém esperava por tantas mortes num período tão pequeno. Foi uma tragédia para a cidade", disse Moura, ao explicar que o Ibama vai continuar fazendo o trabalho de zoneamento ambiental, tanto no rio quanto em terra, para identificar novos focos de desequilíbrio e saber se de fato eles têm algo a ver com a tragédia em Portel.
Eduardo Mendes
Número de mortos é inédito no Brasil
O número de casos e de mortes ocorridas por causa da raiva em Portel, de acordo com o Ministério da Agricultura, é inédito no país e incomum até na América Latina. O último caso de raiva no Pará ocorreu em 2001. As informações foram fornecidas ontem, durante coletiva em que a Secretaria Executiva de Saúde Pública (Sespa) confirmou o óbvio: um surto epidêmico de raiva humana em Portel, que resultou na morte de 15 pessoas até o final da tarde de ontem - embora apenas sete tenham confirmação ambulatorial. Oito casos ainda estão sob investigação no Instituto Evandro Chagas. A última grande epidemia no continente ocorreu na década de 20 do século passado, em Trinidad e Tobago, quando 29 pessoas morreram acometidas pela raiva transmitida por morcego. Após isso, apenas Colômbia e Peru registraram esse tipo de morte, com nove e seis mortes, respectivamente. Isso num período de três anos.

A secretaria, em parceria com o Ministério da Agricultura, prometeu intensificar e redirecionar as ações no combate à raiva animal e humana no Pará na região do Marajó, especificamente no município de Portel. "Na cadeia da raiva humana o morcego não participa diretamente da contaminação. Normalmente a raiva é transmitida por animais domésticos, como o cão e o gato. Esse fato, por si só, é acidental e inédito", informou o secretário executivo de Saúde, Fernando Dourado.

Circulante

Todas as ações que se iniciaram há algumas semanas permanecem por mais tempo, já que o vírus da raiva é circulante e pode se alastrar rapidamente. "Apenas um cinturão biológico em torno da doença impedirá a sua disseminação, e isso está sendo feito", garante o secretário.
Para delimitar a estratégia de ação, Dourado se reuniu na tarde de ontem com a representante da Coordenação Nacional da Raiva do Ministério da Saúde, Lúcia Monte Belo; e com representantes do Instituto Evandro Chagas, Agência de Defesa Agropecuária do Estado (Adepará), do Ministério da Agricultura, da Delegacia Federal da Agricultura, Secretaria Executiva da Agricultura e das prefeituras de Portel, Melgaço, Breves, Bagre, com suas respectivas secretarias de Saúde.

Cultura
Na comunidade de São Bento, onde vivia a maioria dos que morreram, a Sespa está aplicando vacina e soro nas pessoas mordidas pelo morcego. Os não agredidos e os que moram na circunvizinhança da comunidade estão recebendo apenas a vacina. "Essa é uma rotina que deveria ser feita por todos os que foram mordidos pelos morcegos. Infelizmente existe uma cultura local errônea, em que os moradores convivem naturalmente com os ataques de morcego e ninguém toma as medidas preventivas", diz Dourado.
Ele informou que algumas das vítimas fatais disseram, antes de morrer, que foram mordidas pelos morcegos em outubro de 2003, durante uma festividade típica na comunidade. "A área de ocorrência das mordidas é rural, e talvez a aglomeração dessas pessoas tenha atiçado os morcegos, que têm a tendência natural de procurar animais silvestres ou domésticos. Ele só procura o homem na falta de alimento".
Ministério da Saúde elogia ação do Estado
Lúcia Monte Belo, da Secretaria de Vigilância à Saúde do Ministério da Saúde, informou que os óbitos de raiva ocorridos no Pará são totalmente novos dentro do contexto da ocorrência da doença. "A região dos ataques é muito peculiar e específica e medidas urgentes precisam ser tomadas. Toda a população da área de risco já está sendo monitorada. O Ministério tem laboratório especializado e fará um estudo do genoma do vírus da raiva para estudos posteriores", adianta.

Ela informou que todo e qualquer tipo de liberação de recursos para o combate à doença será estudado e apenas mediante solicitação feita pelo governo do Estado ao governo federal. "O que posso adiantar é que todas as medidas estão sendo tomadas para conter o avanço da doença. Tudo foi feito no momento certo", assegura.

Até o momento os únicos recursos assegurados referem-se à Campanha de Vacinação Anti-Rábica, que já se iniciou. Até o momento a Sespa disponibilizou R$ 150 mil para o programa de combate e prevenção à raiva, R$ 100 mil deles repassados à 8ª Regional da Sespa e outros R$ 50 mil num convênio firmado com a prefeitura de Breves.

Apenas um estudo mais prolongado dos casos e do local da ocorrência, diz Lúcia, poderá identificar as causas dos ataques dos morcegos. Em todo o ano de 2003 foram notificados pelo Ministério da Saúde 17 casos de raiva, 14 deles transmitidos por cães e apenas três por morcegos. "Este ano registramos apenas um caso positivo transmitido por um cão no Maranhão. Esses 15 óbitos no Pará são considerados fora do controle", diz a coordenadora, responsável pelo Programa da Raiva no Ministério.
Especialistaso

Moisés Santos, delegado federal da Agricultura no Estado, informou que desde início do combate à doença em Portel a delegacia enviou à área veterinários, dois deles do Rio de Janeiro, com especialidade em raiva de herbívoros, além de outros dois especialistas em sanidade animal. A delegacia já está fazendo todo o monitoramento de bois, vacas, cavalos e até porcos que foram ou podem ser mordidos por morcegos na região.
Veterinário diz que raiva ocorre a mais tempo

O médico veterinário do Ministério da Agricultura, José Carlos Pereira de Souza, especialista em controle de raiva de herbívoros, disse que os casos de raiva transmitidos por morcegos hematófagos são comuns no Brasil e na América Latina. "É comum o homem entrar na cadeia alimentar desse tipo de morcego e se contaminar com o vírus. O que é incomum é a quantidade de óbitos".
José Pereira esteve na comunidade de Portel onde ocorreram os ataques e constatou que a área é desprotegida, com moradores residindo em vivendas cobertas por palha de coco, sem qualquer proteção contra os morcegos. Além disso a população local quase sempre dorme em redes, sem mosquiteiros. "Mas o que mais chamou a atenção é que essas pessoas consideram o ataque de morcego normal. São totalmente desinformadas e isso atrapalha a prevenção", constata.
Após percorrer a área onde ocorreram os ataques, o veterinário avalia que a raiva já está instalada em Portel há bem mais tempo, tendo em vista a grande quantidade de bois, cães, gatos, cavalos e até porcos mordidos por morcegos. Uma equipe de 4 homens do Corpo de Bombeiros está no local fazendo um levantamento dos animais e pessoas atingidos em cada casa e de animais mortos por causas desconhecidas.

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