23.2.10


Portel (PA), município com a maior derrubada ilegal do Brasil.

Madeira do Pará tem origem 89% ilegal
Pesquisa inédita do Imazon empregou imagens de satélite para mapear pela primeira vez extração madeireira no Estado
Sistema estadual trazia uma estimativa de só 10% de irregularidade; exploração de madeira paraense é 45% do total da Amazônia

Balsa em Portel (PA), município com a maior derrubada ilegal
Até hoje ninguém sabia direito qual é a quantidade de madeira clandestina na região. O número mais citado, impreciso, fala em 50%. Mapear a extração ilegal é importante, porque em muitas áreas da Amazônia a atividade madeireira criminosa é o passo inicial da derrubada total da floresta.

Os dados usados pelo Imazon agora, vindos de imagens de satélite de 2007 e 2008, indicam que até a atividade madeireira legalizada tem irregularidades - como o registro de toras supostamente oriundas de áreas já desmatadas por completo - em 37% dos casos. A ONG ainda pretende cruzar o mapeamento com os dados de volume total de madeira em cada região do Estado para estimar o volume clandestino.

"Fica claro que o Estado não tem controle fiscal suficiente da extração", diz o engenheiro florestal André Monteiro, co-autor do estudo. "Ele não consegue fazer o monitoramento e acaba trabalhando só com base em denúncias. Também há indício de gente registrando dados de forma errada, fazendo a coisa de modo mal intencionado. Achamos que esta é uma ferramenta importante para auxiliar o monitoramento."

Rombos

As imagens de satélite ajudam os pesquisadores a fazer uma estimativa de quão fragmentado está o dossel, ou seja, a fatia mais alta da mata, única parte visível dela a partir do espaço no caso de florestas fechadas como a amazônica.
A proporção de buracos no dossel da mata indica se a derrubada está ocorrendo de acordo com um plano de manejo florestal aprovado pela Sema (Secretaria de Estado de Meio Ambiente do Pará). Tais planos de manejo garantem, em tese, que a madeira seja extraída em ritmo moderado, escolhendo exemplares maduros de árvore e minimizando o dano a plantas que não vão ser usadas comercialmente. Não se pode falar em exploração sustentável sem plano de manejo.

Contas que não fecham

A primeira conclusão dos pesquisadores, que acessaram os dados da Sema sobre a extração de madeira devidamente atrelada a esses planos, é que 89% da área em que a derrubada foi detectada via satélite não corresponde aos locais em que a atividade madeireira foi aprovada pelo Estado. São quase 375 mil hectares, dos quais 73% equivalem a áreas privadas, devolutas ou sob disputa.

Mesmo nos casos em que a Sema registrou a exploração legalizada, porém, a pesquisa detectou discrepâncias entre o que estava nos planos de manejo e o que aparecia no satélite.

No período 2007-2008, havia 259 planos operacionais no Estado, dos quais 131 puderam ser avaliados via satélite (nem sempre isso é possível, por causa de fatores como a forte cobertura de nuvens).

Das Autefs (Autorizações de Exploração Florestal) emitidas então, 63% casaram com as imagens, enquanto as demais apresentaram uma ou mais "inconsistências", como define o trabalho.

Entre as práticas mais suspeitas está a emissão de Autefs para áreas já total ou parcialmente desmatadas. O conceito por trás da tática é simples, diz Monteiro: "esquentar" a exploração predatória nessas áreas.

"A questão é que, no plano de manejo, você tem um limite de 30 metros cúbicos de madeira por hectare. Se um trecho já desmatado é incluído no total, a relação entre volume de madeira e área diminui, o que permite a extração de mais madeira", afirma o pesquisador.

Assim, numa fazenda que seja grande mas só tenha um hectare de floresta em pé, se o proprietário declara ter dois hectares, pode tirar o dobro de madeira que lhe é permitido sem deixar pistas em documentos. Só com imagens de satélite é possível flagrar o golpe.

O Imazon pretende realizar o levantamento todos os anos daqui para a frente, incluindo também Mato Grosso.

Trabalho original foi alterado após governo criticar dados

A versão da pesquisa do Imazon obtida pela Folha não é a original. A pesquisa foi revisada ao longo das últimas semanas, após conversas entre os pesquisadores da ONG e o governo paraense.

Depois do debate com representantes da Sema, não houve alterações nas principais conclusões do relatório sobre as áreas desmatadas sem autorização, mas um parágrafo sobre as estimativas do próprio governo do Pará acerca do problema foi removido.

O trecho retirado dizia que, de acordo com o Sisflora, sistema estadual que mede a produção de madeira em metros cúbicos, "Noventa por cento dessa produção originou-se de fonte legal (manejo florestal) e 10% de fonte desconhecida (exploração não autorizada)". O número inverte as proporções aproximadas nas conclusões do Imazon (89% de extração ilegal e 11% autorizada).

Durante a conversa com a Sema, os técnicos do governo paraense argumentaram que a discrepância se devia à falta de integração informatizada entre dois de seus próprios sistemas de controle florestal. O Sisflora, que registra o fluxo de madeira propriamente dito, não era ligado ao Simlam, que emite licenças de plano de manejo.

Além disso, durante parte do período analisado, o sistema utilizado para acompanhar a movimentação de madeira ainda era o do Ibama, feito em papel e passado manualmente para o formato eletrônico, o que facilitava irregularidades, disseram os membros da Sema. "Com base nessa argumentação deles, nós decidimos alterar aquela passagem do relatório", afirma Monteiro.

Com a integração entre Sisflora e Simlam já operacional, a expectativa é que problemas metodológicos diminuam, avalia o engenheiro florestal. (RJL)

Sema diz que não fez pressão por mudança

A coordenadora jurídica da Sema, Estela Neves de Souza, afirmou à Folha que não houve pressão do governo do Pará para que o Imazon modificasse seu relatório sobre o desmatamento ilegal no Estado.

Para Souza, os pesquisadores foram apenas prudentes ao alterar o texto do estudo. "É um tema muito complicado, que nós tentamos esclarecer da melhor maneira possível. A alteração na verdade mostra até cautela por parte do Imazon, e aumenta a credibilidade do estudo deles", afirma.

Souza afirma que os dados de exploração madeireira de 2007 presentes no Sisflora, o sistema que acompanha o volume de madeira extraído no Estado, tinham vindo originalmente do sistema de autorizações em papel do Ibama, que ainda vigorava.

Ela preferiu não se pronunciar sobre os demais resultados. "A Sema ainda está aguardando a apresentação da versão final", disse. A Folha procurou o secretário de Meio Ambiente do Pará, Aníbal Picanço, mas ele não estava disponível para falar. (RJL)

Fonte: Folhaonline, Repórter Reinaldo José Lopes

Nenhum comentário:

BATE PAPO PORTELENSE